quarta-feira, 30 de novembro de 2016

LaMia 2933 - Alguns Fatos sobre o acidente

Olá leitores e amigos,

Relutei muito em fazer um post sobre o terrível acidente que vitimou o time do Chapecoense, o Lamia LMI-2933,  mas por fim em meio a tantas informações desencontradas, cheguei a conclusão de que não me omitir poderia sim ser de alguma utilidade. Além disso, recebi algum incentivo de amigos e colegas de trabalho que também ajudaram com preciosas informações e discussões que foram de muita valia para a construção desse post. Até por que, uma das formas de garantir que um acidente não aconteça de novo é justamente entender suas possíveis causas e trabalhar para que elas nunca se repitam.

Primeiramente, queria deixar claro que vou tentar incansavelmente me ater aos fatos e às informações que eu tenha conseguido confirmar e deixar documentado de onde estas vieram. Vou deixar claro onde, por ventura, eu expressar minha opinião sobre algum fato, e será apenas minha opinião. Não sou o dono de verdade alguma e não tenho essa pretensão. Caso eu escreva alguma bobagem, fiquem a vontade para comentar o post e eu ficarei feliz em agregar mais informações a esse estudo.

Primeiro, alguns fatos e informações:

O RJ85, o modelo de avião em questão, NÃO POSSUI um sistema de alijamento de combustível. Sim, alguns aviões possuem esse sistema, mas não é o caso do RJ85. Logo, qualquer coisa que tenha sido dita sobre "alijamento de combustível", não procede.

Também lí ou ouvi em algum lugar que o piloto fez "várias curvas para queimar combustível" antes do pouso, e isso está muito bem explicado no texto do Lito, no Aviões e Música em http://www.avioesemusicas.com/acidente-lamia-avro-rj-85-em-medellin-time-da-chapecoense-a-bordo.html . Recomendo a leitura. Em resumo, as "várias curvas" nada mais são do que um procedimento padrão de aproximação neste aeroporto, ou então um procedimento de espera (conhecido em inglês como "loiter" ou "holding"), extremamente comum.

Outra coisa que tenho ouvido falar bastante na midia, é sobre a autonomia de uma aeronave, como se isso fosse uma característica absoluta, imutável e que não dependesse de mais nada. Pois bem, durante uma viagem de automóvel, o consumo do seu combustível não varia com uma série de fatores, como a temperatura, o número de ocupantes e o tipo de estrada (rodovia reta e plana ou serra cheia de curvas) por exemplo? Pois bem, nas aeronaves é a mesma coisa. Então, se uma aeronave é capaz de cumprir uma certa rota vazia, num dia frio e sem vento, isso não quer dizer que num dia quente e com todos os passageiros a bordo, voltando de compras em Miami, ela conseguirá cumprir a mesma rota com exatamente a mesma quantidade de combustível. Existe uma "lenda urbana" de que os vôos que voltam de Miami para Guarulhos são abastecidos com 30% a mais de combustível do que os que vão de Guarulhos para Miami, por conta do peso extra trazido pelos turistas. Isso acontece por que cada quilo de peso, aumenta o arrasto (força aerodinâmica que se opõe ao movimento) da aeronave e isso aumenta o consumo de combustível, mas é um assunto para outro post (prometo fazer em breve, um post sobre isso).

Com isso, dizer taxativamente que tal aeronave não é capaz de cumprir uma determinada rota, sem analisar seu desempenho da maneira correta, é um pouco precipitado. E é essa tentativa que eu tentarei fazer, ainda que de maneira bem superficial, mais para frente.


Então mãos a obra, vamos à análise. Inicialmente, queria entender o cenário todo, e fiquei muito curioso sobre um post que recebi em algum grupo de discussão, de um relato de uma passageira dizendo que estava em um outro vôo na Colômbia e que tiveram problemas. Vejam o texto, tal qual recebi.



Fiquei intrigado, e fui pesquisar se esse vôo realmente existiu e para minha surpresa, o vôo é real. Era um vôo partindo de Bogotá, com destino a St. Andres, que um pouco depois da metade do caminho fez meia volta e pediu para pousar em Medelin. Não tenho informações precisas se o Cmte. deste vôo declarou ou não emergência, mas a julgar pelo procedimento, ele acreditava sim que havia alguma coisa errada e tinha motivos para requerer alguma prioridade para pousar seu avião. O vôo era o FC8170, e para quem quiser, seus dados podem ser vistos aqui: https://www.flightradar24.com/data/flights/fc8170/#bbf46d0

Veja na figura, o destino final era a ilha de St. Andres, no canto superior esquerdo, mas em algum momento ele decide retornar e pousar em Medelin. Até aí, tudo normal. Afinal de contas, na aviação, como diria um professor meu, é melhor ter um bom pouso atrasado, do que um acidente com pontualidade britânica.





A chegada do FC8170 da VivaColombia aconteceu quase que ao mesmo tempo que outros 3 vôos, que eram:

LMI2933, Lamia de Santa Cruz para Medelin


AV9771, Avianca de Cartagena para Medelin, que foi alternado para Bogotá
https://www.flightradar24.com/data/flights/av9771/#bbf54d4

LA3020, LATAM de Bogotá para Medelin, que foi alternado para Bogotá
https://www.flightradar24.com/data/flights/la3020/#bbf508e

Como dá pra ver na imagem, esses três vôos foram colocados em espera, para que o VivaColombia pudesse pousar com prioridade. Novamente, até aí, tudo procedimento padrão e corriqueiro do dia-a-dia de um aeroporto.

Aqui é opinião minha: como a torre de controle não sabia o que estava acontecendo, e perdeu contato-radar com o vôo LMI2933, seguiu novamente o "caminho seguro" dos procedimentos, e alternou os vôos LA3020 e AV9771 para Bogotá. O raciocínio é mais ou menos ou seguinte, pensando como controle de tráfego aéreo: se eu não sei onde esse avião está, pois perdi o contato-radar, não quero uma colisão aérea, então vou "limpar" o espaço aéreo até que isso se resolva. Se o pior tiver acontecido e esse avião caiu, vou precisar de um espaço aéreo "limpo" para poder despachar equipes de SAR (Search And Rescue), helicópteros, etc.

Vejam como ficou o tráfego aéreo com a presença dos quatro vôos:




Vale lembrar que o projeto de um avião, do aeroporto, bem como toda a operação já é pensada de forma a garantir que tudo isso seja seguro. Existe todo um belo sistema concebido desde o projeto, certificação e fabricação da aeronave, até a operação do próprio aeroporto e espaço aéreo, recrutamento de pessoal, manutenção e conservação das pistas, enfim, tudo que tange a utilização segura do espaço aéreo que as vezes os passageiros nem se dão conta, mas que funciona muito bem e é constantemente melhorada fazendo das viagens de avião um meio de transporte cada vez mais seguro. Infelizmente, acidentes ainda acontecem, mas são cada vez mais raros.

Meteorologia

Pelo METAR, o código meteorológico que indica as condições no aeródromo na hora, temos o seguinte:

SKRG 290300Z VRB02KT 9999 -DZ BKN015 SCT080 17/16 A3025 

SKRG = Código do Aeroporto
290300Z = Dia 29, 03:00, horário Zulu, ou seja, horário GMT
VRB02KT = Vento de direção variável, intensidade 2 nós (aproximadamente 3,6km/h)
9999 = Visibilidade horizontal maior do que 10000 metros
-DZ = chuvisco
BKN015 = Nublado de 5/8 a 7/8 de cobertura em 1500 pés
SCT080 = Nuvens esparsas 3/4 a 4/8 de cobertura a 8000 pés
17/16 = Temperatura de 17 graus, ponto de orvalho 16
A3025 = Pressão atmosférica 30,25 polegadas de Hg

Em resumo, isso significa que a condição era relativamente boa, sem ventos absurdos ou chuva forte.

Durante a rota, como mostra a figura seguinte, também não dá pra observar nenhum vento muito forte, acima de 10 nós, no nível de vôo de 30 mil pés, que foi onde o LaMia fez sua rota na maior parte do tempo.



Com isso, estamos construindo nosso cenário e até agora, sem maiores problemas.

Vamos ao desempenho do RJ85?

Existem vários fatores que podem limitar o desempenho de uma aeronave. Aqui, vou começar excluindo alguns, para podermos ir direto aos que estão sob os holofotes da mídia.

O primeiro que pode ser excluído, é o desempenho de decolagem, que poderia limitar o peso de decolagem. Isso acontece pois em pistas muito curtas, as aeronaves tem seus pesos de decolagem reduzidos, ou seja, não podem decolar com carga paga e/ou o máximo de combustível, devido a limitação do comprimento de pista.

No caso do RJ85, podemos ver a relação que limita esse comportamento num gráfico obtido de um material da própria documentação da aeronave:



Vejam que nessa publicação, o quadrinho em cinza estabelece algumas premissas. Estou fazendo essa ressalva, só para ressaltar novamente que nada é uma verdade absoluta. No caso do RJ85, olhamos para a curva azul e vemos que para a decolagem de VVI (Santa Cruz de la Sierra, que possui uma pista de 3500 metros, a restrição nem aparece no gráfico, mas apareceria bem para frente das 1000 milhas náuticas (nm) deste gráfico.

Vale lembrar que este gráfico é mostrado apenas para informação, e que foi construído para a condição "sea level ISA", ou seja, atmosfera ISA padrão ao nível do mar, e que VVI situa-se a 373 metros de altitude. Logo, na vida real, este gráfico deveria ser corrigido tanto para a temperatura como para a altitude, e isto é feito na hora do despacho da aeronave, utilizando out tabelas ou programas de computador fornecidos pelo fabricante da aeronave, que compõe o AFM - Aircraft Flight Manual, que são certificado juntos com a aeronave e portando são de responsabilidade cível do fabricante da aeronave e seu não cumprimento, no caso de um acidente, podem acarretar em responsabilidade criminal para os operadores e/ou pilotos.

Sabemos então que o LaMia não estava limitado pelo comprimento da pista do aeroporto de Santa Cruz, e que foi despachado para decolagem, rumo a Medellin com 77 pessoas a bordo. Até o momento dessa publicação, ainda não sabemos qual era o plano de vôo e muito se especula sobre um plano de vôo contendo um reabastecimento antes de chegar em Medellin, ou uma alternativa em Bogotá. Porém, até termos o plano de vôo apurado pelas investigações oficiais, isso é apenas especulação.

Payload vs Range

Para entendermos a relação entre a carga paga (payload) e o alcance, vale a pena estudar o seguinte link, da própria NASA:


Na região mais a direita do gráfico, os tanques já estão totalmente cheios, e a única maneira de aumentar o alcance seria reduzindo o payload, ou seja, retirando carga ou passageiros da aeronave.

A figura a seguir, obtida na documentação da própria BAE, fabricante do RJ85, mostra um estudo de caso de 100 passageiros, assumindo que cada passageiro, somado a sua bagagem tem 95kg.

Nesse caso, o alcance estimado seria de 1328 milhas náuticas.



Fiz então um pequeno estudo simulando o despacho do vôo LMI2933, assumindo 77 pessoas a bordo, considerando que cada uma seja responsável por 95kg de carga paga (60kg + 35kg de bagagem), o que nos levaria para um peso total de 7315kg.

Inserindo esse valor no gráfico, teríamos um alcance teórico, já com as reservas legais de 150 milhas para alternar aeroportos e 30 minutos de espera, mais 5%, de 1550 milhas náuticas.

A distância aproximada entre VVI e MDE é de mais ou menos 1660 milhas. Mas então eu estou dizendo que a aeronave nem deveria ter chegado perto de Medellin? Não é bem assim. Esse cálculo sempre tem margens de segurança, que devem ser utilizadas para, como o nome diz, PARA SEGURANÇA, e não PARA SORTE.

Vejam no gráfico a seguir, como fica nesse caso específico, onde o ponto rosa representa os resultados que comentei acima:


Como prometi, me atendo aos fatos, é fato que o LMI2933 deve ter chegado com muito pouco combustível em Medellin. Outra evidência disso, é que não houve incêndio ou explosão após o impacto. Isso quer dizer que não avia combustível NENHUM? Não, não é isso que estou dizendo.

A espera, a órbita e o início da descida

De acordo com os dados obtidos no site flightradar24.com, a espera do vôo LMI2933 durou apenas 20minutos. 

Na figura a seguir, eu mostro o perfil vertical dessa espera, de duas maneiras diferentes.

Ao longo do tempo:



E no espaço:


Existe, como pode ser observado nessa segunda figura, uma nítida mudança no ângulo de descida, após a saída da órbita de espera do LMI2933. Não sei ainda responder a causa dessa mudança, mas resolvi fazer um outro plot, e unir o último ponto dessa trajetória conhecida, com a coordenada conhecida do impacto. Vejam como ficou:



Sem mais dados, ainda é cedo para julgar se a aeronave tinha ou não os motores ligados, quantos motores estavam ligados, e quais estavam ligados. Mas já vi em outros lugares algumas especulações sobre os sistemas elétricos e vou falar um pouquinho sobre isso.

Sistemas elétricos e a possível pane elétrica

Não vou entrar no mérito aqui, se houve ou não pane elétrica. O que quero explicar é que, mesmo com a falha dos quatro motores, os sistemas elétricos continuam funcionando. Lembram-se no avião que pousou no rio Hudson? Lembram-se que ele teve os dois motores desligados por causa de impacto com pássaros? Era um avião muito maior, com comandos acionados hidraulicamente, com sistema fly-by-wire que consome muito mais potência hidráulica e elétrica. Ainda assim, conseguiu fazer um pouso com relativa segurança, graças as redundâncias dos sistemas de potência.

O RJ85 possui 2 geradores elétricos, acoplados a 2 motores (motores 1 e 4). No caso de uma falta de combustível, existe a possibilidade de desligar 2 motores e continuar com 2 motores funcionando, mantendo assim os sistemas essenciais em funcionamento. Além disso, ele possui uma APU, Auxiliar Power Unit, que provê potência elétrica adicional. Não bastasse isso, ainda existem baterias para manter a energia elétrica os sistemas principais caso haja uma falha completa. E para completar, ainda existe um gerador de emergência, acionado por um motor hidráulico, que fica acoplado ao motor 3, caso todo o resto falhe. Ou seja, para haver uma pane elétrica completa, MUITA MUITA coisa tem que dar errado.

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UPDATE: Consegui hoje acesso ao AFM do RJ85 (publicado em 1983), e os sistemas que ficam funcionando após a perda total da geração de energia, ou seja, de todos os geradores, são:

- Iindicador de Atitude, standby
- Altímetro
- Indicador de Horizonte
- Sistema VHF de Comunicação Número 1
- Sistema VHF de Navegação Número 1
- Indicador Radio-Magnético
- ADF número um (Automatic Direction Finder)

De acordo com esse mesmo manual, fornecendo a corrente máxima que seria certa de 35 Amperes, as baterias teriam autonomia de pelo menos 30 minutos.
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A figura abaixo mostra o sistema conhecido como cross-feed, que permite ao RJ85 controlar o sistema de combustível de forma a manter os motores e assim os sistemas funcionando, mesmo durante uma eventual falta de combustível. O que quero dizer com isso é que mesmo com pouco combustível, os 4 motores não param de funcionar todos juntos.



Conclusões

Prefiro não tirar nenhuma conclusão. Prefiro esperar as investigações. Como comentei, esse post era informativo, e visava tirar alguns mitos que vinham sendo espalhados por aí.

Peço a ajuda de vocês, para deixarem seus comentários e críticas. Por favor, se eu escrevi alguma bobagem aqui, me corrijam. Contribuam. Se gostaram do post, espalhem e comentem com os amigos!

Muito obrigado pela leitura, e #vaichape!


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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Embraer apresenta o novo E2! #E2rollout #rolloutE2



Amanhã, quinta feira, dia 25/02/2016 a partir das 10h00 (horário de Brasília), a Embraer apresentará ao mundo o novo E190-E2.

A família E2 vem para completar a família dos já consagrados E-Jets, com diversas melhorias operacionais, no consumo de combustível, conforto de cabine, emissão de poluentes e desempenho.

Quem quiser acompanhar o Roll-out, o evento será transmitido ao vivo através do link:

https://netshow.me/embraer/6636-e2-rollout?refstream=wI18yy7S

Após evento, postarei as fotos e vídeos, e também algumas informações sobre o E2!

 #E2rollout #rolloutE2